terça-feira, 31 de agosto de 2010

365 Dias que Acalmaram o Mundo

Queridos amigos, leitores, visitantes do Boca! Volto aqui após uma semaninha cheia de aventura e emoções, que contarei depois aos poucos pra vocês, e hoje não vou falar de aventuras diárias, não vou falar de inclusão nem de arte, vou apenas indicar uma outra fonte de informações que fala por mim e, na verdade, fala de tudo isso junto e muito mais. Na mesma semana em que postei aqui o texto sobre a escolha entre as boas e as más notícias, chegou ao meu conhecimento o blog 365 Dias que Acalmaram o Mundo. O nome, curioso, chamou-me a atenção, e não me limitei a ler somente o texto sobre o Telelibras, que a blogueira havia escrito. Desandei a navegar pela página e a cada notícia, uma nova emoção maravilhosa, uma nova esperança na alma, uma nova inspiração. Quem acha que o mundo está perdido e que só acontecem coisas terríveis por aí a fora, pode estar apenas com um probleminha de foco, e o que a jornalista, publicitária e roteirista Júlia Lordelo faz é reunir boas notícias e nos ajudar a focar nas maravilhas que têm sido desenvolvidas por seres humanos do mundo inteiro para melhorar nosso planeta. Todos os dias Júlia publica no blog projetos, ações, trabalhos positivos desenvolvidos por uma pessoa, uma comunidade, uma grande instituição, de diferentes partes do mundo.
Na famosa era da informação, somos uma esponjinha absorvendo notícias bombardeadas de tudo quanto é lado, e às vezes nem temos tempo de pensar, de eleger, de filtrar e assimilar apenas o que nos serve. Claro, os desastres, corrupções, mortes, dificuldades e crimes estão aí, mas resolve concentrar a atenção e as energias no que não está fluindo bem? Se todo mundo se focar aí, quem vai mover as energias em direção às soluções? Felizmente tem muita gente, e muito mais do que imaginamos, pensando nas soluções, e muitas vezes as idéias mais simples são o caminho. Mas nossa casa Terra é muito grande e tudo o que se tem feito ainda é pouco. O 365 Dias que Acalmaram o Mundo alimenta a alma de esperança e emociona por mostrar que qualquer, mas qualquer pessoa pode fazer muito mais, e que só fica parado quem quer, pois coisa boa pra fazer é o que não falta!
Bom, aproveite então a leitura para refletir e fazer suas escolhas. Imagine começar o dia trocando as costumeiras reclamações da manhã ou o silêncio duro do mau humor por uma notícia boa e inspiradora. O 365 Dias que Acalmaram o Mundo virou minha parada virtual obrigatória de todos os dias, como fonte de esperança na humanidade, alegria de fazer parte deste mundo e inspiração para continuar. Obrigada, querida Júlia! Com vocês, o 365 Dias que Acalmaram o Mundo:
http://365diasqueacalmaramomundo.zip.net

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sem Barreiras

Saras

Pessoaaaaaaal! Hoje é um dia mais que especial, pois hoje estréia a primeira foto do blog! Pois é, blog de cego também tem foto. Parece que os desenvolvedores do blogger ainda não entenderam que nós também nos interessamos pelo mundo da imagem, já que vivemos nele, e ainda não tornaram acessíveis para os leitores de tela alguns botões do blog, como os de postar foto e vídeo. É por isso que ainda não tinha pintado nenhuma fotinha por aqui. E hoje, depois de muito procurar uma alternativa, consegui a façanha com a ajudinha de um editor de blogs do Windows. Os botões do blog continuam inacessíveis, mas essa discussão a gente deixa pra outro dia. O importante é que hoje temos uma fotografia, que ilustra um daqueles momentos da vida que valem por mil.

Para os colegas de apagão, aí vai a descrição da foto: à direita eu (de cabelos escovados, aiai), e à esquerda uma moça negra que vocês já saberão quem é. Estamos sorrindo, cada uma com um sorrisão maior que o da outra, e estamos erguendo uma das mãos de forma parecida, fechada e perto do rosto. A foto foi tirada na sede brasileira do projeto Solar Ear, em São Paulo. Bom, mas vamos começar do começo: Tudo começou quando um canadense chamado Howard Weinstein perdeu sua filha adolescente no meio da noite, sem nenhum aviso prévio, nenhum sintoma, nenhuma doença. Por acaso ela se chamava Sara. Arrasado, Howard repensou sua vida e resolveu ir para a África e lá fazer trabalhos humanitários. Na escola onde ele passou a trabalhar, foi incumbido de providenciar um aparelho auditivo a uma aluna surda. Por acaso ela também se chamava Sara. Ele se mobilizou para conseguir o aparelho e, ao pegar os dados da aluna para preencher algum tipo de cadastro na hora da aquisição, descobriu que ela nascera no mesmo dia, mesmo mês e mesmo ano de sua filha Sara. É no mínimo de arrepiar, não? Pois é, e Howard viu nisso muito mais que uma coincidência e interpretou o sinal da melhor forma que podia interpretar. Junto de Sara, ele desenvolveu uma tecnologia de carregadores de bateria de aparelho auditivo que utiliza a energia solar. Ali nascia o Solar Ear, que produz aparelhos de baixo custo e econômicos também para o meio ambiente. Outro diferencial do projeto é que a mão de obra na fabricação é de jovens surdos. O projeto tem se espalhado por diversos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, e é a própria Sara quem viaja a esses países ensinando aos outros surdos a tecnologia do Solar Ear.

É claro que o Telelibras foi conferir de perto este projeto encantador. E, para nossa alegria, Sara estava lá, trabalhando e treinando algumas moças surdas brasileiras, em sua última semana no país. Que sorte a nossa! Eu me sentia muito feliz e grata pela oportunidade de conhecer pessoalmente aquela criatura que carrega o mesmo nome meu e que é um instrumento divino de ressignificação não só na vida de Howard, mas na dos surdos mundo a fora (aproximadamente 278 milhões). Como eu queria expressar a ela essa felicidade e essa emoção. Mas eu não a enxergava e ela não me ouvia, eu não falava a língua dela e ela não falava a minha, aparentemente só o nosso nome igual quebrava aquele cenário de diferenças e todas as barreiras possíveis na comunicação. Mas espera aí, sempre há de existir uma solução...

Quando me perguntam por que eu, estando cega, quero aprender a Libras, língua dos surdos, digo que quero poder me comunicar com qualquer pessoa do meu país, independente de qual seja sua língua. O que eu não imaginava era que, poucas semanas após ter iniciado oficialmente meus estudos da língua brasileira de sinais, eu a usaria para me comunicar com uma pessoa tão especial, e que nem é do meu país. É que a mocinha africana é muito inteligente e, em oito meses no Brasil, ficou fluente na nossa língua de sinais. (Ao contrário do que muita gente pensa, a língua de sinais não é universal, cada país tem a sua. No Brasil, a Libras é uma língua reconhecida, e tão oficial quanto o português, e, pensando bem, ainda mais genuinamente brasileira, pois diferentemente do português, nasceu em território nacional.) “Mas como, Sara? Como uma pessoa que não enxerga vai ver os sinais que o surdo faz?” as pessoas querem saber. E é aí que entra um dos sentidos mais poderosos do ser humano: o tato. As pessoas surda-cegas, como foi a famosa Helen Keller, usam diversos métodos de comunicação, todos baseados no tato. No Brasil, um deles é a Libras Tátil. Comigo funciona da mesma maneira, toco nas mãos do meu interlocutor surdo e desvendo seus sinais acompanhando seus movimentos. E foi assim, com essa dança a quatro mãos rompendo o silêncio e a escuridão, que qualquer barreira entre mim e minha xará de Botsuana foi quebrada. Meu conhecimento de Libras ainda é bem básico, mas com a ajudinha do meu querido amigo, e professor de Libras, Fabiano Campos, intérprete presente no momento, pude trocar com ela algumas palavrinhas, ou alguns sinaizinhos, e expressar, diretamente a ela, minha satisfação em conhecê-la. Na foto, o sinal que fazemos com as mãos é o S, de Saras.

Para conhecer mais sobre o Solar Ear acessem: http://www.solarear.com.br


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Bonzinhos e Pequenininhos

Ontem estávamos viajando tranquilamente, eu e Izadora (minha bengala), quase babando quando o ônibus, São Paulo – Volta Redonda, foi parado pela Polícia Federal. Está virando rotina, praticamente toda semana eles têm revistado a bagagem de todos os passageiros. Aliás, quase todos... Após verificar a bagagem do senhor ao meu lado, o policial perguntou, provavelmente apontando minha mochila à frente dos meus pés:
-Essa também é do senhor?
E o passageiro respondeu:
-Não, essa é da moça "dificiente" aí do lado.
Percebendo que o negócio era comigo, ergui rapidamente a mochila e perguntei ao policial:
-O senhor quer abrir?
No que ele respondeu solícito:
-Não, não precisa, não precisa.
-Como não precisa, moço? Cadê os direitos iguais? Toda semana vocês param o ônibus, me acordam, olham a bagagem de todo mundo menos a minha, já estou cansada dessa discriminação!
Mentira, não falei nada disso, o diálogo terminou na frase do policial me isentando da revista. Mas se não fosse realmente tão transtornante ter a mochila revirada por alguém, e se não fosse pela alegria dos demais passageiros em economizarmos tempo com uma bagagem a menos para ser revistada, eu teria dito. O que não consigo entender é porque as pessoas têm a idéia de que os "dificiente" estão acima de qualquer suspeita. Há uns anos um chefão do tráfico de Brasília foi pego, e, para a surpresa de todos, ele era cadeirante. Tadinho, não prende ele não. Será que algum brasiliense falou assim?
E por falar em tadinho, que pessoa com deficiência nunca foi a um lugar onde a trataram com diminutivos o tempo todo? Curiosamente, isso acontece muito nos hospitais, consultórios médicos, laboratórios e afins. Deve ter alguma disciplina na faculdade de medicina e odontologia que ensina que os cegos, surdos, cadeirantes e pessoas com deficiência intelectual são todos crianças, mesmo que tenham dois metros de altura, trabalhem, estudem, tenham esposa e filhos. Outro dia mesmo fui a um laboratório tirar um sanguinho e a mocinha dizia: “põe o bracinho aqui, fecha bem a mãozinha, não vai doer nadinha, ta bom?”. E respondo, em pensamento: “Ta bom, tia, eu fico boazinha, mas quero um sorvetinho depois.” Pela voz, ela tinha a minha idade ou menos. E não venham me dizer que o tratamento excessivamente carinhoso se dá em resposta ao meu tipinho físico de MM (miúda e magrela), pois eu conheço cego, homem, do tipo duplex, que passa pelas mesmas situações ridículas. Mas é bem verdade que nós, as moçoilas pequenas, levamos desvantagem. Uma amiga querida, colega de apagão, já era inclusive uma jovem senhora quando pediu ajuda para atravessar uma rua movimentada e um homem, muito disposto a ajudar, simplesmente pegou-a nos braços e a colocou na calçada do outro lado da rua. Queria ver se fosse um cego brutamontes, o que o guia tão gentil faria. :D
Mas deixa, deixa eles exercitarem o ladinho maternal deles com a gente, até o diazinho em que nossa pacienciazinha estiver no finzinho e eles ouvirem umas respostinhas bem bonitinhas. Euzinha já tenho uma lista delas para dar! Agora, se vierem apertando minha bochechinha, aí acabaram os diminutivos carinhosos e eu viro bicho!
Então, pra quem ainda pensa que todo cego é bonzinho, e para quem quer dar umas boas risadas e se inteirar um pouco mais do nosso mundo com bastante comédia e ação, recomendo o clássico Cegos, Surdos e Loucos, com Gene Wilder, o da Fantástica Fábrica de Chocolate (o original) e Richard Pryors. Um filminho tipo Sessão da Tarde, dos anos oitenta, mas sempre atual, divertido e até instrutivo. Recomendo muito!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Cegos no Cinema?

-O que está acontecendo agora?
-Eles estão correndo e... Nossa!
-Nossa o quê? Eles quem? Estão correndo aonde?
-Não estão mais correndo, eles caíram e... ih, agora já mudou de cena.
Som de fogo e explosão.
-O que foi isso? O que foi isso?
-Ai meu Deus! Eu não posso nem olhar.
-Caramba, o que foi? Me conta!
-Estou tapando os olhos, eu não posso ver isso!
-Quem não pode ver aqui sou eu, que sou cego. Você pode e precisa ver, pra me contar! Vai, abre os olhos, por favor.
Som de beijo.
-Ah, agora eu sei do que se trata, eles estão se beijando, não é?
-Pois é, e ele está passando a mão pelo... Ulalá!
-O quê? O quê?
-Cara, nem te conto.
-Conta sim, conta sim.
Som de tiro, e muito silêncio em seguida.
-Quem acertou quem? Quem morreu?
-Puxa vida! Foi, foi... BUAHHH!
-Para de chorar e me conta, por favor!
-Eu... não consigo... falar, estou... muito emo... emocionado, cara.
Fim do filme.
-Puxa! Que filmaço, hem?!
-É... filmaço, filmaço.
Certamente todas as pessoas cegas já passaram por situação semelhante, ou pior. Quem não enxerga também deseja saber o que está acontecendo, também deseja se emocionar e experimentar as maravilhas da sétima arte. Mas, para nós que temos a deficiência visual como companheira, este prazer sempre esteve ligado à dependência, à boa vontade de outra pessoa para nos descrever toda a parte visual das cenas, essenciais para o entendimento do filme. Muitos até se aventuram a assistir sozinhos a uma projeção, e se desdobram em perspicácia e talento dedutivo para captar o que podem a partir dos sons. A verdade é que todo ser humano, mesmo que não enxergue ou não escute, estremece com as vibrações e com o cheiro de um cinema, vibrações sentidas na cadeira, no corpo, na alma, nas lembranças de infância. Todo ser humano deseja, precisa e tem direito à arte.
Para preencher essa lacuna dos espectadores cegos e quebrar qualquer barreira entre eles e o cinema, o teatro e qualquer espetáculo também visual, foi criado um recurso chamado Áudio Descrição, que é uma narração organizada de todas as informações visuais de uma cena, como cenários, figurinos, expressões faciais e corporais, entrada e saída de personagens de cena e qualquer mínima ação importante na trama. O áudio descritor assiste antes ao filme ou espetáculo e escreve um roteiro para sua narração, que pode ser feita ao vivo ou gravada, no caso de filmes em DVD, internet ou televisão. E os outros pagantes do cinema não precisam se preocupar, pois o usuário ouve sua descrição com fone de ouvido, acoplado a um aparelhinho semelhante a um radinho, que é pego e devolvido na porta do cinema.
A áudio descrição teve seu início nos anos 80, nos Estados Unidos e Inglaterra, e somente duas décadas depois chegou ao Brasil, inicialmente com o Festival Internacional de Filmes Sobre Deficiência ASSSIM VIVEMOS. Depois o recurso foi sendo introduzido em espetáculos teatrais, musicais, óperas, dança e até desfile de moda.
Em 2007, no Assim Vivemos apresentado na cidade do Rio de Janeiro, tive meu primeiro contato com a áudio descrição. Minha emoção e plenitude foram tamanhas que praticamente acampei no Centro Cultural do Banco do Brasil e fiz um intensivão, assistia aos variados filmes, da primeira à última sessão da noite. Eu fazia questão de não convidar ninguém para me acompanhar, a alegria de viver a independência, a autonomia e a dignidade era tanta que eu queria me fartar daquela emoção. Pela primeira vez eu tinha a oportunidade de assistir a um filme em paz, sem precisar cutucar ninguém para me dar mais detalhes, pude chorar e rir à vontade, fiz amigos no cinema, cegos ou não, e pude discutir o filme com eles depois, em condição de igualdade.
Ontem vivi felicidade semelhante, ao assistir em casa, pela primeira vez em minha casa, a um filme com áudio descrição, que é a vida de Chico Xavier. A narração está ótima, mas ainda senti falta de mais informação. As pessoas que assistiam comigo fizeram a gentileza de completar a descrição, em alguns momentos em que realmente cabia mais informação, momentos silenciosos em pausas de diálogos.
No circuito comercial o primeiro filme brasileiro com áudio descrição foi Irmãos de Fé, do Padre Marcelo, lançado em 2005. Foi preciso lutar e esperar mais 5 anos para que uma segunda produção brasileira também adotasse o recurso. Eu me interesso imensamente pelos assuntos de fé e de espiritualidade, mas devo aqui dizer, em nome de todas as pessoas com deficiência visual desse país, que nos interessamos por todos os temas e que estamos aí, nas filas dos cinemas, teatros, diante da TV e do computador, consumidores como qualquer outra pessoa, ávidos por informação e cultura como qualquer outra pessoa.
No Brasil, todas as emissoras de TV terão que incluir pelo menos duas horas semanais de programação áudio descrita até primeiro de Julho do ano que vem. É uma grande conquista, mas ainda é muito pouco diante da necessidade e do tempo de reivindicação.
Conheçam mais este recurso nos endereços:
http://vergaranunes.com/audiodescricao/
http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Indo Pelo Ralo

Vocês conhecem o piso tático? Eu também não conhecia não, até que ontem um funcionário do metrô de São Paulo, muito gentil, tentou me apresentar a ele, quis até me ensinar como usar, mas obrigada, moço, eu prefiro o piso TÁTIL. Esse vocês conhecem, não é? Piso tátil é aquela pista emborrachada que faz relevo no chão, onde as bonitonas vivem virando o salto. Mas na verdade ele tem uma finalidade mais nobre, o piso tátil é um recurso que, quando bem instalado, serve para orientar o trajeto de pessoas com deficiência visual. Hoje em dia ele é facilmente encontrado nas agências bancárias, estações de metrô e rodoviárias dos grandes centros, e muita gente passa por ele sem nem saber do que se trata. O piso tátil, ou piso podo-tátil, apresenta bolinhas, ou quadradinhos, ou alguma outra forma em relevo para que a pessoa sinta com o tato dos pés ou mesmo das mãos, por meio da bengala. Ele costuma ser de alguma cor bem contrastante com o chão, para facilitar a vida da turma com baixa resolução de imagem.
Mas espera aí, se a questão é sentir com o tato dos pés e da bengala, não seria então todo piso um piso tátil? Sim, todos os diferentes pisos e suas texturas podem ser percebidos com o tato, de qualquer pessoa; a diferença é que o piso tátil é colado no chão de modo a indicar uma trajetória fixa, conduzindo para pontos chave do local, como saídas, entradas de elevador e escada, caixas no caso de agência bancária, faixas de pedestre no caso de calçadas. Geralmente é algo muito eficaz. Eu disse geralmente, e não sempre; se a idéia é orientar a galerinha por um caminho seguro e livre de obstáculos, o piso tátil jamais deveria ser colado rente a uma pilastra de dois metros de diâmetro, como acontece na rodoviária nova de Campinas por exemplo, aquela rodoviária moderna, bonita, ampla, elegante, e que quer deixar os cegos com uma deficiência amais com uma trombada naquela pilastra monstro. E lá não é problema o espaço, do lado oposto à pilastrona são metros e metros de área livre. Por caridade, minha gente, recursos como este são pra ser implantados com inteligência. Em algumas estações de metrô também acontece uma coisa divertida: você vai caminhando bem feliz pelo seu piso tátil, pensando “Que bom que existe um recurso como este e que pensaram em pessoas como eu.” E de repente, fim da linha, o piso tátil acabou. E aí onde você está? Ele não te conduziu para nenhuma saída, nem escada, nenhum portal mágico. E aí essa é aquela hora em que você grita, ou senta e chora, ou espera outro ceguinho chegar até ali para baterem um papinho até chegar alguém que possa ajudar, você escolhe.
Agora que vocês já sabem para quê serve, nada de obstruírem o caminho tátil da moçada do apagão e da baixa resolução nos metrôs, rodoviárias, bancos, calçadas. E se você planeja instalar o piso tátil no seu estabelecimento, na sua empresa, na sua escola, faça isso, além de ser um direito nosso, você não imagina quantas pessoas poderão transitar com mais autonomia e dignidade pelo seu espaço. Mas não deixe de buscar orientação para que o recurso seja realmente útil. E só mais uma coisinha: se você tiver no seu espaço um ralo, certifique-se de que ele não será confundido com o piso tátil. Certa vez minha irmã gêmea, Letícia (ovelha negra da família, só paga mico...), andava com amigos pelo Centro Cultural São Paulo, ambiente comprometido com a acessibilidade e a inclusão, e desprendeu-se deles para caminhar com autonomia na faixa comprida e escura, contrastante com o chão clarinho, cujo relevo ela podia sentir com a bengala. Era um relevo mais sutil que dos pisos táteis que ela conhecia, pareciam pequeninos vãos sucessivos, algo que lembrava uma grade, mas a largura era igual. Os amigos chamavam: “Vem cá andar com a gente!” Mas ela respondeu, cheia de independência e sorrisos: “Não, obrigada, eu to tranqüila aqui no piso tátil.” Seu amigo Júlio Pires deu uma gargalhada bem sonora e revelou baixinho, aproximando-se dela: “Isso aí é o ralo.” Poxa, eu estava tão feliz, ops, ela, a Letícia, estava tão feliz com um raro momento (ou um momento ralo) de autonomia numa caminhadinha que nem se deu conta. Não sei pra onde aquele ralevo, ai caramba, aquele relevo iria levar, mas que naquele momento estava resolvendo seu problema, isso estava. Ralos táteis, pisos táticos, toda tática e todo recurso que vier para ajudar com responsabilidade será sempre bem vindo!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Monotonia Zero

Pois é, pessoal do bem, após uma semaninha de férias, do blog, cá estou de volta, colorindo nossa segunda-feira com algo que prova como pode ser criativa e surpreendente a mente humana. Não, hoje eu não tenho uma daquelas histórias de feitos extraordinários de algum ser humano que usou mais que os habituais 10% da capacidade cerebral para uma grande superação ou criação em favor do mundo; queria eu que fosse. O extraordinário que venho compartilhar se dá num plano mais sutil e particular, mas vêm também mostrar como somos mais complexos e interessantes que pensamos.
Uns dizem que ela é negra; hoje eu posso assinar em baixo. Outros me diziam que ela é branca branca; também posso garantir que é. Todos perguntam, querem saber de que cor é a cegueira, e eu digo que ela é branca e é preta. Para mim ela se estabeleceu assim, um dia branca, muito clara, como se muita luz entrasse nos olhos, mesmo fechados, e no dia seguinte ela é negra, tudo preto, mesmo de frente ao sol. Então os dias seguem se alternando assim: um dia é dia outro dia é noite. E nos dias que faz dia, esqueço de receber a noite, de repente me dou conta “Nossa, já são oito da noite” e fica difícil pensar na noite, construir o escuro da noite aqui na realidade virtual da cachola, pois é tanta luz que entra que fica difícil apagar o dia. Nesses dias é também difícil dormir. Quem consegue dormir com uma luz enorme nos olhos? Alguém me diz como faz pra apagar essa luz!
Já nos dias que faz noite, é mais fácil dormir, é mais fácil relaxar, é mais fácil entristecer. Sim, fica mais difícil lembrar que a luz existe, que o sol está ali, e a mente acaba tendo que trabalhar mais pra criar a realidade virtual dos ambientes onde estou e vou, pois a imagem na tela visual é muito ausente de luz e vazia. Mas esse negro não é o escuro de quando se fecha os olhos, é bem diferente disso, é um preto que eu só tinha visto há um ano e pouco, quando desmaiei e voltei meio descompensada. É, andei tomando uns bagulho meio pesados: remédios e mais remédios; junta aí muitas horas sem comer mais uma luz estrobo na cabeça umas horinhas e para tudo, precisei reiniciar o sistema, pumba no chão. Retomando a consciência, voltei a escutar, a falar, mas a visão era toda preta, muito preta. Que susto! Mas ela logo foi voltando e em poucos minutos já era de volta o normal, o meu normal da época.
Mas não é só isso; como eu disse, a mente humana pode ser muito mais louca, ou melhor, muito mais surpreendente e criativa que pensamos. E logo que chegou o apagão, minha mente me fez o favor de não deixar a monotonia passar perto. Acontecia um fenômeno muito estranho: imagens pipocavam na minha tela visual. Não eram imagens como criamos no visualizar, como quando fechamos os olhos e criamos uma cena nos olhos da mente, eram imagens soltas e involuntárias, que iam e vinham no telão mental, mesmo sem nenhuma entrada de luz. Elas eram tão vivas e coloridas que quando apareciam, sem ser convidadas, eram capazes de me distrair, de tirar minha atenção do que eu estivesse fazendo. Primeiro eram rostos, como que refletidos numa superfície de água; depois veio a boca, uma boca aberta, solta no espaço, bem caricata, um desenho animado; em seguida a boca foi se transformando no emblema do Super Homem; depois ele sumiu e deu lugar à bandeira do Brasil. Esta permaneceu comigo por semanas e semanas. Coisa pra especialista. E aí, viajando na paranóia, seria o inconsciente coletivo em tempos de copa do mundo me invadindo a mente? Seriam descargas dos arquivos de imagem do cérebro desordenados com o apagão? Seria minha boca interior anunciando que era hora de cair no mundo com o Boca no Mundo?! Seria a PPA, a Pani Pós Apagão? Sei não. E antes que eu descobrisse se essa loucura era comum e se já tinha sido batizada por algum estudioso do assunto, minhas caras, minha boca, meu Super Homem e minha tão amada bandeira do Brasil se foram. Deu até saudade.
Um dia tive de passar a hora do almoço viajando e não tinha levado nenhum lanche, fiquei muitas horas sem comer. E, quem me conhece pessoalmente ou faz parte da minha família, sabe bem como é um Bentes com fome. Quando um estômago de sobrenome Bentes grita e não é atendido, primeiro o dono dele fica calado, depois mal humorado, depois nervoso e depois irado. Depois disso, melhor sair de perto... Bem, naquele dia então, eu estava tão faminta, até às cinco da tarde só com o café da manhã, que minha bandeira nacional já estava preto e branca. Prato cheio para os estudiosos, não? E a interação com as alucinações não parava por aí; lembram da boca, que ainda não estava no mundo? Era uma boca vermelha, cheia de dentes brancos, que quando eu ria ela também ria, escancarava-se e mostrava mais dentes ainda!
O mais legal foi quando minha bandeira trocou de nacionalidade. Quando eu tinha minha baixa resolução de imagem (mais conhecida como baixa visão  ), enxergava melhor quando bebia. Apesar de não fazer isso com freqüência, gostava da sensação. Mais que uma impressão, sabemos que é real; o álcool ajuda a relaxar, e quanto mais relaxados os músculos dos olhos, melhor a percepção visual. Assim é também com os outros sentidos e percepções do nosso corpo. Depois do apagão, o máximo que consegui com o efeito do álcool foi fazer minha bandeira do Brasil virar da China! Olha, eu podia reclamar de qualquer coisa desse apagão, menos de tédio. Pena que se foram todos... Queria tanto saber como minha bandeira do Brasil, de cores tão vivas, reagiria diante do resultado do último jogo da seleção na copa, queria tanto saber como minha boca teria se comportado diante de um beijo (na boca! Aiaiai), queria saber se meu Super Homem teria sobrevivido às colisões que portas e paredes e orelhões desavisados costumam proporcionar à minha cabeça. Bom, as imagens se foram, mas ficaram o dia e a noite, e às vezes um tipo de estampa colorida e sutil. Sigo então nos meus dias que fazem noite, e nas noites que são dias, não importa, dias negros, brancos, mulatos, indígenas, orientais, amo a diversidade, e estou curtindo aprender a ensolarar qualquer escuridão.