segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Monotonia Zero

Pois é, pessoal do bem, após uma semaninha de férias, do blog, cá estou de volta, colorindo nossa segunda-feira com algo que prova como pode ser criativa e surpreendente a mente humana. Não, hoje eu não tenho uma daquelas histórias de feitos extraordinários de algum ser humano que usou mais que os habituais 10% da capacidade cerebral para uma grande superação ou criação em favor do mundo; queria eu que fosse. O extraordinário que venho compartilhar se dá num plano mais sutil e particular, mas vêm também mostrar como somos mais complexos e interessantes que pensamos.
Uns dizem que ela é negra; hoje eu posso assinar em baixo. Outros me diziam que ela é branca branca; também posso garantir que é. Todos perguntam, querem saber de que cor é a cegueira, e eu digo que ela é branca e é preta. Para mim ela se estabeleceu assim, um dia branca, muito clara, como se muita luz entrasse nos olhos, mesmo fechados, e no dia seguinte ela é negra, tudo preto, mesmo de frente ao sol. Então os dias seguem se alternando assim: um dia é dia outro dia é noite. E nos dias que faz dia, esqueço de receber a noite, de repente me dou conta “Nossa, já são oito da noite” e fica difícil pensar na noite, construir o escuro da noite aqui na realidade virtual da cachola, pois é tanta luz que entra que fica difícil apagar o dia. Nesses dias é também difícil dormir. Quem consegue dormir com uma luz enorme nos olhos? Alguém me diz como faz pra apagar essa luz!
Já nos dias que faz noite, é mais fácil dormir, é mais fácil relaxar, é mais fácil entristecer. Sim, fica mais difícil lembrar que a luz existe, que o sol está ali, e a mente acaba tendo que trabalhar mais pra criar a realidade virtual dos ambientes onde estou e vou, pois a imagem na tela visual é muito ausente de luz e vazia. Mas esse negro não é o escuro de quando se fecha os olhos, é bem diferente disso, é um preto que eu só tinha visto há um ano e pouco, quando desmaiei e voltei meio descompensada. É, andei tomando uns bagulho meio pesados: remédios e mais remédios; junta aí muitas horas sem comer mais uma luz estrobo na cabeça umas horinhas e para tudo, precisei reiniciar o sistema, pumba no chão. Retomando a consciência, voltei a escutar, a falar, mas a visão era toda preta, muito preta. Que susto! Mas ela logo foi voltando e em poucos minutos já era de volta o normal, o meu normal da época.
Mas não é só isso; como eu disse, a mente humana pode ser muito mais louca, ou melhor, muito mais surpreendente e criativa que pensamos. E logo que chegou o apagão, minha mente me fez o favor de não deixar a monotonia passar perto. Acontecia um fenômeno muito estranho: imagens pipocavam na minha tela visual. Não eram imagens como criamos no visualizar, como quando fechamos os olhos e criamos uma cena nos olhos da mente, eram imagens soltas e involuntárias, que iam e vinham no telão mental, mesmo sem nenhuma entrada de luz. Elas eram tão vivas e coloridas que quando apareciam, sem ser convidadas, eram capazes de me distrair, de tirar minha atenção do que eu estivesse fazendo. Primeiro eram rostos, como que refletidos numa superfície de água; depois veio a boca, uma boca aberta, solta no espaço, bem caricata, um desenho animado; em seguida a boca foi se transformando no emblema do Super Homem; depois ele sumiu e deu lugar à bandeira do Brasil. Esta permaneceu comigo por semanas e semanas. Coisa pra especialista. E aí, viajando na paranóia, seria o inconsciente coletivo em tempos de copa do mundo me invadindo a mente? Seriam descargas dos arquivos de imagem do cérebro desordenados com o apagão? Seria minha boca interior anunciando que era hora de cair no mundo com o Boca no Mundo?! Seria a PPA, a Pani Pós Apagão? Sei não. E antes que eu descobrisse se essa loucura era comum e se já tinha sido batizada por algum estudioso do assunto, minhas caras, minha boca, meu Super Homem e minha tão amada bandeira do Brasil se foram. Deu até saudade.
Um dia tive de passar a hora do almoço viajando e não tinha levado nenhum lanche, fiquei muitas horas sem comer. E, quem me conhece pessoalmente ou faz parte da minha família, sabe bem como é um Bentes com fome. Quando um estômago de sobrenome Bentes grita e não é atendido, primeiro o dono dele fica calado, depois mal humorado, depois nervoso e depois irado. Depois disso, melhor sair de perto... Bem, naquele dia então, eu estava tão faminta, até às cinco da tarde só com o café da manhã, que minha bandeira nacional já estava preto e branca. Prato cheio para os estudiosos, não? E a interação com as alucinações não parava por aí; lembram da boca, que ainda não estava no mundo? Era uma boca vermelha, cheia de dentes brancos, que quando eu ria ela também ria, escancarava-se e mostrava mais dentes ainda!
O mais legal foi quando minha bandeira trocou de nacionalidade. Quando eu tinha minha baixa resolução de imagem (mais conhecida como baixa visão  ), enxergava melhor quando bebia. Apesar de não fazer isso com freqüência, gostava da sensação. Mais que uma impressão, sabemos que é real; o álcool ajuda a relaxar, e quanto mais relaxados os músculos dos olhos, melhor a percepção visual. Assim é também com os outros sentidos e percepções do nosso corpo. Depois do apagão, o máximo que consegui com o efeito do álcool foi fazer minha bandeira do Brasil virar da China! Olha, eu podia reclamar de qualquer coisa desse apagão, menos de tédio. Pena que se foram todos... Queria tanto saber como minha bandeira do Brasil, de cores tão vivas, reagiria diante do resultado do último jogo da seleção na copa, queria tanto saber como minha boca teria se comportado diante de um beijo (na boca! Aiaiai), queria saber se meu Super Homem teria sobrevivido às colisões que portas e paredes e orelhões desavisados costumam proporcionar à minha cabeça. Bom, as imagens se foram, mas ficaram o dia e a noite, e às vezes um tipo de estampa colorida e sutil. Sigo então nos meus dias que fazem noite, e nas noites que são dias, não importa, dias negros, brancos, mulatos, indígenas, orientais, amo a diversidade, e estou curtindo aprender a ensolarar qualquer escuridão.

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