segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A teimosia e a persistência

Desenho bem colorido de uma sereia, rodeada por um cavalo-marinho, um peixinho, uma ostra, e algas. No canto superior direito, está escrito 'Tia Sara', cada letra pintada de uma cor.
Dizem que ariano é teimoso. Eu, como uma boa ariana do dia primeiro de Abril, diria que somos... persistentes. ;)

Mas qual a diferença entre a teimosia e a persistência?...

Pra quem vê de fora, somos teimosos quando insistimos num erro, ou quando afirmamos algo que todo mundo sabe que, na verdade, é o contrário. Mas e se o mundo estiver enganado e a nossa afirmação for enfim comprovada? Mas e se o nosso “erro” um dia render bons frutos? E se um dia nossa insistência no que todos pensavam ser um erro alcançar um grande resultado? Aí fomos persistentes! Enquanto não chegarmos ao que almejamos com nossa persistência, somos só teimosos...


O pianista João Carlos Martins, depois de ter o movimento das mãos e dos dedos comprometido por uma sucessão de acidentes, tornou-se maestro.
Sara e o maestro João Carlos Martins, no palco, em frente ao piano e à orquestra, no Teatro Nacional em Brasilia, 2007. O cara não viu barreiras para continuar vivendo com e para sua musa: a música. Depois, não satisfeito, mesmo com apenas dois ou três dedos aptos a pressionar uma tecla de piano, voltou a tocar, dentro de suas possibilidades. E, com dois ou três dedinhos, provando que mais importante que a quantidade é a qualidade, voltou a emocionar com seu piano. Há alguns anos, tive a oportunidade de comprovar de perto, e até de cantar acompanhada por ele, que tocou o prelúdio de Bach enquanto eu cantei Ave Maria.

Tive também a oportunidade de ouvi-lo dizer, quando alguém exalta seu retorno ao piano como um grande feito de superação, que, na verdade, é só teimosia. Não sei se nosso querido maestro, e pianista, é ariano, Mas sei é que ele me deu uma boa idéia...


Meus amigos mais próximos sempre souberam de uma das atividades que eu desenvolvia paralelamente à música. Desde muito pequena, logo que comecei a enxergar, lá nos meus dois ou três anos, eu amava desenhar! Passava horas colada no papel, pra minha visão limitada alcançar alguma coisa, e desenhava pessoas imaginárias, desenhava situações, desenhava multidões, desenhava praias cheias de gente; sempre gente, sempre gente.
Sara cantando, usando um elegante vestido azul de cortes assimétricos, com bordados e detalhes em strass. Muita gente não acreditava que fosse eu mesma que desenhasse, então eu fazia questão de desenhar na frente de quem fosse. É um dom familiar, e que, mesmo com minha baixa visão, veio comigo também. Fiz exposições, desenhei vestidos pra mim, desenhei a capa do meu primeiro livro (que ainda vou publicar :) ) e alimentei bastante minha visão com cada traço no papel, cada cor, cada sombreado, cada brilho.

Um dia a visão se apagou. “É porque a vida não quer mais que você desenhe” sentenciariam os mais fatalistas. Mas na mente continuei desenhando, e nos meus sonhos noturnos também. Embora soe contraditório, sempre fui uma pessoa bastante visual. E as imagens continuam vivas e fortes em mim, e o impulso criativo de gerar imagens no papel também. O que eu posso fazer? Por um tempo lamentei. Mas um dia, numa sessão com uma psicóloga da Fundação Dorina Nowil para cegos, ela me surpreendeu:


-Faça um desenho pra mim.

-Hem? A senhora está falando comigo ou tem mais alguém na sala?

Ela me mostrou uma prancheta de madeira, revestida de um tipo de tela de janela. O papel é colocado em cima e, quando riscado, a tela se encarrega de fazer o relevo. Adorei a brincadeira, não queria sair de lá, fiz um monte de desenhos. Quando cheguei em casa e contei pra mamãe, ela se lembrou de algo que tinha havia anos guardado, sem utilidade. Ela me deu uma borracha de desenho tátil, um aparato que faz a mesma função da prancheta revestida de tela. É uma borracha bem maleável, de um dedo de espessura, e do tamanho exato de uma folha A4, que veio lá da Espanha, de uma associação de cegos de representatividade internacional, a ONCE.

Munida de meu aparato internacional, comecei a treinar. Claro que o novo método tem suas limitações e o relevo não comporta todas as técnicas que eu usava antes. Mas, como sou uma ariana teimosa, ops, persistente, sigo insistindo enquanto isso me der alegria.

E bons frutos já apareceram bem cedo. Os sobrinhos Giulio e Pietro, lá da Itália, que também adoram desenhar, sempre mandavam desenhos pra tia Sara, pra vovó e pro vovô aqui no Brasil. Um dia minha irmã teve que contar a eles que a tia Sara não podia mais ver os desenhos. Então os três juntos desenvolveram a técnica da cola; minha irmã passava cola branca nos contornos dos desenhos deles, e a cola, quando seca, faz o alto relevo. Depois os meninos ainda gravavam arquivos de áudio descrevendo os próprios desenhos e contando a cor que usaram em cada elemento, em cada florzinha, em cada peça de roupa dos bonequinhos. Depois eles descobriram uma técnica menos trabalhosa, descobriram que desenhar com o papel sobre uma manta, sobre a mesa, dá um relevo legal, até parecido com o da borracha de desenho tátil. Enquanto isso, daqui fui desenvolvendo minha nova técnica e passei a enviar desenhos pros meninos também, voltando a me comunicar com as crianças por mais essa linguagem, universal. Só que, ao contrário dos desenhos dos sobrinhos, os desenhos da tia Sara não chegam coloridos... Peraí, gente, vamos com calma! Pintar sem enxergar já é teimosia demais! :D E, como teimosia aqui é o que não falta, vou até tentar.

Mas, enquanto isso, proponho aos meninos uma parceria: eu desenho e eles pintam. E assim seguimos, nessa interação gostosa e criativa. O desenho da sereia no início do texto é um exemplo da parceria Tia Sara-Pietro Cernusco!


Abaixo, alguns dos desenhos antigos pra vocês! Sei que ainda falta um pouquinho pra eu chegar de novo no nível de detalhes que eu fazia antes, mas aqui tem persistência de sobra, e eu chego lá!


Desenho todo pintado de amarelo, mostra uma menina dentro de uma casa, tocando um ursinho de pelúcia; na blusa dela, de manga  comprida, estampa de uma partitura musical, com o trecho de uma melodia.O som do amarelo - 2000

Desenho em preto e branco de uma aglomeração de aproximadamente 70 pessoas, de diversas etnias e idades, indo em diversas direções, preenchendo todo o espaço da tela.Muvuca - 1999

Desenho todo pintado de azul mostra um rosto feminino sob uma luz indireta; atrás, uma paisagem noturna e urbana mostra trecho de uma rua, com um carro e construções.Azulzinho - 2002


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Uma garfada, três gargalhadas

Bom, eu prometi. E, como sou uma moça de palavra, e de ação, Estou voltando pra contar como foi o “Comendo no Escurinho” , o jantar que fiz e propus a meus convidados que comessem de olhos vendados. Pra começar, eles entraram de cabeça na brincadeira e nem quiseram que eu contasse o que era o cardápio, preferiram exercitar o paladar e tentar descobrir sozinhos. Combinado então. Já vendados, foram todos guiados por mim até seus lugares à mesa. Depois dei algumas dicas básicas sobre o manuseio de talheres, copos e pratos na ausência de visão, pra aliviar um pouquinho a barra dos ceguinhos de primeira viagem. Hehe! Aos poucos, eles próprios foram descobrindo suas técnicas e maneiras de se situarem e de localizarem o outro, com estalinhos dos dedos, com batidinhas do garfo no copo de vidro. Servi suco a todos, um suco maravilhoso, de melão com abacaxi e hortelã, que nosso amigo, e ator, e músico, e compositor, e agora suqueiro Bianco Marques fez. “Por que eu estou com a sensação de que a Sara é a única que enxerga aqui?” perguntou Danilo Nardelli, abrindo a sequência de percepções interessantes da noite, “escura”.

Sara servindo aos amigos Ângela, Danilo e Vânia, vendadosAí veio a entradinha: ovinhos de codorna, para serem fisgados com palitinho e passados numa maionese de berinjela. Maldade? Imagina! Nem servi comida japonesa pra ser comida com os temidos hashis! (Hum, boa ideia para a próxima... hahaha) E foi um tal de espetar a mão do outro, espetar o prato, a vasilha, a mesa, tudo era fácil de alcançar, menos o ovo. Mas a batalha foi um bom começo pra galerinha se virar no apagão, tanto que depois foi surpreendente a pouca bagunça que eles fizeram; eu juro que subestimei meus amigos e familiares e achei que ia rolar comida derramada, copo virado, garfo voador, sobremesa roubada sem querer do pote do outro. Mas não, todos se saíram muito bem, com o risoto ao fungi, o saladão de legumes, grão de bico e hortelã e a sobremesa pra lá de refrescante e saborosa de gelatina em cubinhos coloridos ao creme, feita por nossa amiga, e cantora, e professora, e jornalista, e agora gelatinista Vânia Lee. Claro que foram inevitáveis as garfadas fantasmas (aquela garfadinha que a gente abocanha com tudo e...não veio nada!), as derramadinhas de grão de arroz em torno do prato, as tentativas frustradas de acertar a boca; normal, todo cego amador passa por isso... Divertidas também foram as tentativas de cada um de adivinhar o que estavam comendo: “uma porção de bolinhas de gude”, “uma coisinha molinha que se parece um peixinho”, “será que estou comendo o mesmo que ele? Não estou achando nada disso!”

Ah, e não posso deixar de contar o surreal momento pré sobremesa, quando todos, já munidos de seus respectivos potinhos, uns de vidro e outros de metal, e colheres, e já embriagados de gargalhadas, endorfina, suco de melão e fungi, improvisamos uma bela orquestra rítmica, produzindo tilintares de diferentes timbres com colher no vidro, colher no metal, vidro no metal, colher na mesa, vidro na mesa, mesa no metal... que loucura! Foi melhor que ser criança. E o resultado de tudo isso, além de muitas, mas muitas gargalhadas, foram as mais ricas percepções: “Parecia que eu estava em outra dimensão... E, quando todos falavam ao mesmo tempo, eu me sentia perdido e ansioso.” disse Bianco, imediatamente após tirar a venda. “A gente come mais devagar.” percebeu Danilo. “Sara, você chutou no meio do gol!” falou nossa amiga, e atriz, e cantora, e professora Ângela Oliveira, aprovando o cardápio e os sabores. Se todos gostaram tanto assim da comida, não sei, mas da brincadeira tenho certeza que todos amaram! E quanto à cozinheira, estejam certos de que ela curtiu cada momento, cada descascar de ovinho de codorna, cada pedacinho de cenoura cortado, cada fungi picadinho, cada risada. E não é que eu estou gostando desse negócio de cozinha não mais só pra comer? :)



Risoto ao funghi, salpicado com queijo parmesão No centro da mesa, salada colorida de grão-de-bico, cenoura, vagem, milho, azeitonas, pepino e hortelã, rodeado de copos com suco e pratos.

Quem enxerga disse que os pratos ficaram bem bonitos. Estão aí as fotos pra quem quiser, e puder, conferir. Parabéns aos colegas de apagão por um dia e obrigada pela contribuição e pelo amor de vocês, amigos queridos e papai e mamãe!

Sara e os quatro amigos, já sem as vendas, sorrindo para a foto

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Última chamada e Promoção!

É hoje, pessoal! A segunda temporada do musical Filhos do Brasil começa hoje! Quem ainda não garantiu seu ingresso antecipado, está em tempo, faça contato. E quem garantiu seu par de cortesias participando da promoção do blog foi: Vanessa Lima da Costa Leite. Parabéns, Vanessinha!!! A moça chegou primeiro, respondendo corretamente a pergunta da promoção. Então, moça esperta, é só me dizer por e-mail (sarabentes@yahoo.com.br) o dia de sua preferência e suas cortesias estarão te esperando na bilheteria do teatro.
Então, eu e todo o elenco mais que afiado esperamos vocês lá! Menestreis queridos, gasolina nessas cadeiras, GPS nas bengalas, e vamos longe! É nós!!!


Espetáculo Filhos do Brasil

Nova temporada: Dias 05, 06, 12 e 13 de fevereiro. Sábados (21h) e domingos (20h).

Local: Teatro Dias Gomes. Rua Domingos de Moraes, 348, Vila Mariana. Próximo ao metrô Ana Rosa.

Mais informações: (11) 5575-7472 www.oficinadosmenestreis.com.br