domingo, 22 de maio de 2011

Vai uma mãozinha?

Nós, a turma do apagão, andamos pelas ruas da cidade e frequentemente somos ajudados, para atravessar uma rua, para achar um endereço, para encontrar um lugar vago no transporte, para tomar um ônibus e por aí vai. Nessa aventura diária, temos a oportunidade de conhecer pessoas interessantes, de fazer novos amigos, de aprender e de ensinar, e também temos a oportunidade de “passar pelas mãos” de todo tipo de gente... e, com todo tipo de gente, conhecemos todo tipo de ajuda: existe a famosa ajuda superprotetora, oferecida por aquelas pessoas que esquecem que você só não enxerga e querem te carregar no colo, como as funcionárias de rodoviárias que me guiam até o toalete e acham que precisam entrar nele comigo e como o bilheteiro do cinema onde fui semana passada, que simplesmente arrastou a catraca do meu caminho na hora em que eu ia passar. “Mas moço- argumento –eu passo pela catraca! Estou com meu bilhete na mão e também tenho direito a rodar a roleta, registrar a minha passagem por aqui, produzir aquele barulhinho gostoso e único da catraca e dar um pulinho pra frente pra não apanhar dela!” Mentira, não falei nada disso, não quis menosprezar a gentil tentativa de ajuda do tio, apenas sorri surpresa enquanto ele se explicava servil a quem me acompanhava: “Fica mais fácil pra ela passar.” Não tolho esse tipo de ajuda exagerada porque, nesses casos, antes o excesso que a falta, afinal assim como existem essas pessoas que te subestimam, e não é por maldade, existem aquelas que superestimam suas capacidades, pensam que sua bengala tem GPS e que seu ouvido é um radar de última geração que capta até pensamento via blue tooth, capaz de te guiar e te proteger até mesmo na travessia de uma rodovia sem faixa de pedestres em horário de pico. Assim devia pensar o motorista que outro dia fez questão de vir até minha poltrona me buscar para, cheio de cuidados, ajudar a descer os 5 degraus do ônibus, coisa que faço até de olho fechado, :D pra depois me soltar e dizer, em plena plataforma de desembarque do terminal Tietê formigando de gente: “Pronto, agora pode seguir até a escada rolante.” “Mas moço, é justamente aqui onde mais preciso da sua ajuda!” rebato, sem nem ter certeza de que ele ainda está por perto me ouvindo. Provavelmente ele ainda não sabia que é obrigação dos motoristas conduzirem os passageiros com alguma deficiência visual até um funcionário da rodoviária, para ali começar um outro tipo de ajuda: a famosa ajuda de revezamento, onde o bastão, é claro, é o cego em questão. Funciona mais ou menos assim: o motorista te leva até um funcionário da rodoviária, que chama pelo rádio o próximo atleta, ou seja, outro funcionário, que te pega e te leva até um funcionário do metrô, que te pega e te leva até um vagão, de onde, na sua estação de destino, ainda um outro funcionário te pega para finalmente concluir a prova te deixando numa catraca ou nas mãos de alguém que esteja à sua espera. A única diferença para uma prova de revezamento profissional, é que neste caso os atletas não costumam correr, e muito menos ter pressa, afinal cego nem sabe correr, nem trabalha, nem estuda, nem tem horário nem encontro marcado; pra quê pressa? E nessa mentalidade, de um serviço de auxílio que às vezes funciona e às vezes não, a gente se atrasa e perde até compromisso. A ajuda do revezamento de bastão é muito freqüente também nos pontos de ônibus, principalmente naqueles dias de muita sorte, quando o seu ônibus é o último a passar e até então você passou pela “tutela” de umas doze pessoas que tiveram mais sorte que você e foram embora antes, uma a uma em seus respectivos ônibus, mas sem esquecerem de passar “o bastão” pra quem continuava no ponto... E por falar em ônibus, este é um local onde é muito comum a famosa ajuda fantasma, que é quando você procura um banco vago ou uns centímetros de tubo de metal pra se segurar e uma mão, silenciosa, vem e te puxa para um lado ou para outro e te empurra até um lugar desocupado. Você até diz “oi” e tenta fazer contato, perguntar algo, mas o ajudante misterioso não diz um “A”, prefere ficar no silêncio e no anonimato e não te dar o direito de saber quem está te guiando. Bom, mas pelo menos o ser te ajudou, e então você, já sentado, agradece, e segue viagem se perguntando se acaba de ser guiado por um ser humano, ou por um fantasma, ou por um alien. Ou quem sabe por uma pessoa muda? Do jeito que anda essa tal de inclusão, não é nada difícil... Certa vez eu estava num lugar bem amplo e precisei ir ao banheiro. Eu tinha baixa visão. Meus amigos perguntaram se eu queria uma ajudinha pra chegar lá, e eu, toda confiante, disse: “Não, obrigada. Já fui ao banheiro daqui e acho que lembro o caminho. Além disso quem tem boca vai a Roma, a Paris e ao banheiro.” Só que o lugar era realmente muito amplo e de fato me perdi. E, pra piorar, não parecia haver ninguém por perto, pra justificar a minha boca e me ajudar a chegar a Roma; afinal, quem tem boca vai a Roma, mas se no caminho tiverem outras bocas pra dar a informação;) Rodei, rodei, até que ouvi sons, que pareciam vir de um humano: respiração, passos. Aproximei-me feliz e pedi: “Oi! Por favor, você pode me dizer onde é o toalete?” Mas não ouvi resposta. Repeti; vai que a pessoa não havia compreendido e estava sinalizando sua dúvida com um gesto de cabeça ou uma expressão facial que eu não podia ver. Mas continuei tendo o silêncio como resposta. Até que, após a terceira tentativa, desconfiei estar diante de uma situação bastante provável ali naquele congresso de pessoas com todo tipo de deficiência: eu pedira informação para um surdo... eu perguntava e ele não ouvia, ele sinalizava e eu não via! O fim da história? Pra nossa sorte naquele tempo eu já havia aprendido alguns sinais emergenciais, e “banheiro” era um deles. Falei na língua dele o que eu precisava e ele então pôde me ajudar, e me levou até lá.
Existe também a ajuda de fada, que é a daquelas pessoas que simplesmente mudam seu próprio trajeto e param sua vida pra te ajudar. Desse tipo de ajuda, graças a Deus, já tive muitas. Outro dia mesmo, na paradinha do ônibus pra São Paulo, fui ajudada por uma dessas fadas. Perguntei o nome dela e era Ada. Quis saber o significado e ela disse o que eu já sabia: era Fada. E quando nos despedimos, agradeci; e ela, com a voz cheia de sorriso, respondeu: “Obrigada você, por me deixar te ajudar.” Essas ajudas de fada, repletas de troca, amor e vontade, a gente nunca, nunca esquece... Por outro lado, as ajudas tortas, aquelas dadas com a maior das más vontades, às vezes também são difíceis de esquecer... principalmente quando vêm de pessoas queridas e que no fim sempre tomam uma lição, e dão com a gente boas risadas. Eu era adolescente e fui tomar um dos dois ônibus que passavam no ponto mais próximo da minha casa. Como era um ponto frequentemente deserto, minha mãe mandou comigo minha irmã, para me colocar no ônibus certo. Provavelmente ela, minha irmã, teve de interromper algo que fazia pra ir acompanhar a chata da irmã mais nova até o ponto e, com a tromba batendo no pé, subiu a rua comigo, muda. Chegando no ponto, vazio, esperamos sós por alguns minutos, até que uma senhora bem velhinha chegou e se sentou também. Foi aí que tive a brilhante e óbvia ideia, que compartilhei com minha irmã: “Se ela for pegar o mesmo ônibus que eu, você fica liberada.” Perguntei então à velhinha se ela esperava o ônibus tal, e, para a alegria geral das irmãs, ela disse que sim. Num solavanco, minha irmã se levantou e tomou rapidamente o caminho de volta pra casa. E eu já nem ouvia mais seus passos quando a velhinha virou-se novamente pra mim e complementou sua resposta dizendo: “Só que ce tem que vê pra mim porque eu num sei lê não, viu, minha fia?” É, agora eram duas numa enrascada... Mas ainda deu tempo de minha irmã ouvir meus gritos por seu socorro, voltar e salvar a pátria. No fim das contas, tudo acaba bem e estamos todos aí pra aprender. Ajuda torta, ajuda capenga, ajuda superprotetora, ajuda subprotetora, ajuda infantil, ajuda fantasma, ajuda curiosa, ajuda apavorada, ajuda intrometida, enfim, apenas pessoas boas cruzam o meu caminho, como instrumentos de Deus e do meu anjo da guarda, e eu agradeço de coração a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, deram uma mãozinha, um bracinho pra me guiar, um olhinho pra enxergar por mim, a todos aqueles que tentaram mas não puderam ajudar, aqueles que podiam mas, por medo, nem tentaram ajudar, o meu MUITO OBRIGADA!

2 comentários:

  1. Muito bom! Dei boas risadas aqui... rsrs É isso aí, estamos aí pra aprender sempre! beijoooooos!!

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  2. olá, Sara gostei muito do texto, conheci seu Blog através do site: Federação Albertina brasil. voltando ao texto essas ajudas sempre são bem vindas, agora tem aqueles que não querem ser ajudados, os que não se considera cego que pensa que pode fazer tudo sozinho. dei muitas risadas com a velhinha que não sabia ler... parabéns essa é a primeira de muitas visitas que farei...

    Lara paes - bahia( salvador )

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