segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pergunta idiota, tolerância em exercício...

Nós, pessoas com deficiência, frequentemente somos alvo da curiosidade do povo, que, em geral, desconhece os assuntos relacionados à nossa condição. Seja no ponto de ônibus, no shopping, na escola, no trabalho, numa entrevista, as perguntas sempre vêm, repetitivas e piegas, cheias de dedos, ou inusitadas e bizarras. Segue então um pedacinho, só um pedacinho da coleção de respostas deselegantes que eu sempre quis dar a essas perguntas e abordagens que nos perseguem ao longo da vida, mas que a diplomacia nem sempre me permitiu declarar verbalmente:


1- Apresentadora de TV ao início do programa -

Então quer dizer que você enxerga com os olhos do coração e canta divinamente, não é isso?

R: Pra começar, seria muita falta de humildade da minha parte concordar com você sobre cantar divinamente; já quanto aos olhos do coração, estou pra te dizer que eles devem estar precisando de uns bons óculos, porque continuam não me avisando dos degraus, buracos, orelhões etc.

(em pensamento)


2- Jornalista de revista, cheia de dedos pra tentar saber se a minha deficiência seria congênita ou adquirida -

Como você nasceu?

R: Ih, sua mãe nunca te contou a história da sementinha?

(Essa escapou do pensamento...)


Não, eu quero saber se você nasceu assim.

R: Não, na verdade nasci bem menor e com os cabelos bem mais curtos. Ah, e dentes eu também não tinha não.

(em pensamento...)


3- Apresentador de TV -

Como você pode cantar tão bem sendo cega?

R: E como você pode apresentar um programa de TV sendo tão despreparado?

(em pensamento, trincando os dentes... :X)


4- Estudante de jornalismo em entrevista por telefone -

Em que a música te ajuda a superar os obstáculos da sua deficiência ao andar nas ruas, por exemplo?

R: Pois é, os obstáculos não estão exatamente na minha deficiência, mas sim no mundo, na mente das pessoas e nas ruas, como você mesma disse. Então o processo da superação pela música, neste caso, funciona mais ou menos assim: ao atravessar uma rua sem sinal – é só cantar um samba e todos os veículos param automaticamente; numa calçada cheia de desníveis, fradinhos, canteiros e buracos – aí é só cantar um axé que todos os obstáculos saem do meu caminho, obviamente dançando frenéticos. Agora, se eu cantar um new age, minha amiga, os caminhos mais planos, macios e cor-de-rosa se abrem sob meus pés, acompanhados de um céu lilás e nuvens à minha volta, enquanto fadas azuis e virgens me pegam pela mão e me conduzem voando até onde preciso ir, aí é quando eu transcendo mesmo tudo isso e não preciso me preocupar com mais nada.

(em pensamentos gargalhantes :D)


5- Como você enxerga? Você vê vulto? Você ta me vendo? Como você me vê?

R: Te vejo como uma pessoa bastante ansiosa e curiosa.

(em pensamento...)


6- Você não tem a visão perfeita mas, em compensação, Deus te deu um ouvido fantástico pelo jeito, não foi?

R: Na verdade ele me deu o mesmo ouvido que a vocês, vocês é que não aprendem a usar direito...

(Essa escapou... :D)


7- Como é seu dia-a-dia?

R: Mais ou menos assim: um dia, após outro dia, que veio após outro que veio depois de outro dia.

(em pensamento...)


8- Ao pedir a alguém no ponto de ônibus que me avise quando chegar o meu ônibus, o alguém me diz:

Aviso sim, se eu ainda estiver aqui eu aviso.

R: ah, q bom, então se vc não estiver mais, me manda um sinal telepático, porque o de fumaça eu não vou ver mesmo.

(em pensamento...)


9- O que aconteceu com você? (essa todo “dificiente” já ouviu!)

R: Depende: hoje? Ontem? Nas últimas horas?

(Essa foi inevitável, escapou também...)


10- Pessoas que me conduzem gentilmente até certo ponto onde devo aguarda-las voltarem e, ao solicitarem o auxílio (desnecessário neste momento) de uma terceira pessoa, conhecida ou qualquer passante, dão a seguinte ordem, oferecendo o meu braço à outra pessoa:

Segura ela aqui pra mim que já volto.

R: Não, não, eu não vou fugir não, moço.

(Essa também tive que falar! ;D)


Vale destacar aqui, minha gente, que sanar as dúvidas do povo em relação a qualquer assunto é fundamental pra minimizar preconceitos e quebrar tabus, e que depois das respostas de “Saraiva”, sempre procuro esclarecer e informar, com paciência e bom humor. E, enquanto eu, na minha missão, vou aprendendo a ser mais tolerante e menos malcriada ;), as pessoas vão aprendendo a fazer perguntas mais objetivas e abordagens mais naturais. O aprendizado é de todos!


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Bom Proveito

Pra onde vão os balões de gás que soltamos pro céu quando criança? Pra onde vão os beijos sonhados e nunca dados? Pra onde vão aquelas melodias lindas que criamos, não registramos e nunca mais lembramos? Pra onde vão as pequenas coisas que conquistamos com todo o esforço e, de repente, não estão mais ali?... E o que nos pertence afinal?...


Queridos amigos e visitantes do Boca! Venho anunciar que mais alguém acaba de ganhar uma linda camiseta do blog, mas eu não sei quem é... O(s) mesmo(s) “ganhador(es) anônimo(s)” faturou também uma mochila de rodinhas, com menos de 24 horas de uso, uma bela muda de roupas incluindo um figurino de teatro, uma camiseta da Campanha do Apagão e uma blusa personalizada com um desenho de uma bailarina que fiz quando enxergava e ninguém tem igual, além de outros objetos pessoais, uma garrafa térmica e restos de um almoço de viajante, uma garrafinha de água fluidificada pelas falanges espirituais mais generosas e um netbook, mais conhecido como Panterinha, que foi meu fiel instrumento de trabalho por menos de um ano, fruto do suor de muitas pessoas que, conjuntamente, deram-me este presente.


A “doação não autorizada” ocorreu na tarde do último sábado, no estacionamento pago (zona azul) do parque do Ibirapuera, enquanto eu e a equipe do Telelibras trabalhávamos dentro do parque. O carro foi arrombado e 3 mochilas, a minha e de mais 2 integrantes da equipe, foram levadas, além de alguns objetos do veículo. Informo aos atuais “proprietários” de tudo o que nos foi levado que vocês estão sendo monitorados, e por uma autoridade que não precisa de câmeras, nem microfone espião, nem chip pra rastreamento, nem senha hacker, nenhum tipo de artifício eletrônico; Ele está em todas as coisas, em todos os lugares, em todos os momentos, e está olhando vocês, abençoando vocês, amando vocês, por mais que vocês talvez não se permitam sentir ainda, mas Ele já está aí.


Que bebam da água fluidificada, que façam bom uso de tudo, que curtam as músicas, vídeos e histórias antes de formatarem o Panterinha para venda ou para uso pessoal. Ah, e posso imaginar o sustinho de vocês ao ligarem o Panterinha e serem recebidos por uma voz robotizada, nada simpática, tosca e até um pouco aterrorizante pedindo a senha de acesso. Não foi de propósito, é só o meu leitor de tela numa versão ainda não muito atualizada; ele me foi muito útil, transformando em som tudo o que eu não posso ver. Mas pena que pra vocês provavelmente o leitor de tela não tenha nenhuma serventia; aliás, Deus queira que vocês nunca precisem mesmo deste recurso. Quanto ao conteúdo do Panterinha, mamãe já tinha me ensinado a boa e velha, não tão velha assim, lição do backup, lição reforçada agora. Só uma pequena história não havia dado tempo de copiar dele, mas no dia seguinte à “doação não autorizada”, assim que cheguei em casa, eu a reescrevi. Não me lembrei exatamente de cada palavra, mas no fim achei que ficou melhor do que era antes...


Muitas outras lições ficaram além da lição do backup. Nada nos pertence mesmo, o “ter” é uma grande ilusão, e a vida vem de vez em quando nos lembra disso, do que realmente importa no final das contas, já que no fim as únicas contas que levamos são as com Deus. Se a justiça não funciona, se a polícia não pode fazer nada, se ninguém se responsabiliza, pra quê revolta? Vamos em frente! Levaram foi a malinha menor, já que a maior estava fora do carro, trabalhando ;) Dos males o menor, e das malas a maior... Viva!!


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Décima Olimpede!

Queridas e queridos seguidores do Boca! Passo rapidinho, mas com muita honra e alegria, pra convidar a todos, e principalmente vocês que estão em ou próximo a Volta Redonda, para comparecerem na abertura da décima Olimpede! A nível nacional, o evento reúne este ano cerca de 2000 atletas, competindo em diversas modalidades em nossa cidade. Na abertura, que acontece próxima sexta, dia 16, a partir das 15 horas no ginásio da Ilha São João, canto o hino nacional, com a boca e com as mãos, em português e em libras! :) É a terceira vez que participo do evento, a cada ano mais lindo, cantando o nosso hino nacional, mas é a primeira vez que o canto também com libras. A entrada é franca e está todo mundo convidado! Saiba mais sobre a maior olimpíada inclusiva do Brasil aqui!


E pra quem ainda não tinha assistido, segue o vídeo da primeira vez em que interpretei o hino nacional nas duas línguas, na Reatech 2011: (Recebedores por e-mail, acessem o blog para assistir!)



Aproveito pra pedir desculpas aos recebedores por e-mail que ficaram um tempo sem receber as postagens em suas caixas de mensagens; aconteceu por um probleminha de natureza cósmica desconhecida... mas que já está resolvido! ;)


E você, que ainda não se cadastrou, cadastre-se no blog para receber em seu correio eletrônico as novidades, crônicas, convites, atualizações, promoções e campanhas do Boca no Mundo! Em breve, mais promoção valendo CD, camisetas e outras surpresinhas! Beijos :* e abraços do tamanho do mundo!


domingo, 4 de setembro de 2011

Uns Pobres Miseráveis

Paramos em frente à rodoviária à espera do ônibus frescão, apelido muito carinhoso até, dado por conta da temperatura quase polar estabelecida dentro do veículo, provavelmente pra fazer os gringos esquecerem por alguns instantes o calor quase infernal do Rio de Janeiro. Bom, exageros à parte, vamos ao que interessa: não sei dizer ao certo qual seria o interesse do homem pobre e negro que nos abordou, como é comum naquela região. Ele chegou com tudo, cheio de si, com uma gentileza quase intimidadora: -Senhoras, primeiramente bom dia!
Respondemos educadamente e eu fiquei esperando o resto, a continuação da conhecida ladainha que vem cutucar nossa compaixão e piedade, ladainha que não veio... Para mim, apenas o silêncio e uma interrogação... Por alguns segundos, de um tudo passou pela minha cabeça por não saber o que acontecia. Mas logo, aplacando meu desassossego, minha mãe, quem me acompanhava, pôde explicar a súbita mudança de ideia do homem pedinte. O feitiço contra o feiticeiro. Ele veio pronto pra jogar sobre nós o feitiço da dó; o problema foi que ele me viu, viu a Izadora em minhas mãos, olhou meus olhos. E aí, nem mais uma palavra, apenas uma rápida erguida de mão, sem jeito, talvez para se despedir, talvez para se desculpar, e sumiu entre as pessoas e os veículos. Então tá, moço... Parece que o feitiço da dó se voltou contra ele próprio. De repente, como num passe de mágica, a miserável era eu! Só faltou ele dividir comigo o que já havia arrecadado...
O que será que passa pela cabeça das pessoas? Certa vez eu e minha amiga Tábata Contri chegávamos de carro ao estacionamento de um shopping em sampa. Ela estacionou, abriu a porta e, com naturalidade, começou a montar sua cadeira de rodas. O cobrador logo se aproximou oferecendo ajuda. Ouvi em sua voz algo de... comoção. E eu podia ler sobre a cabeça dele o balãozinho: “Puxa, uma moça tão linda, tão nova, tão simpática, numa cadeira de rodas... Ah, meu Deus...” Enquanto ele a ajudava, armei Izadora e saí do outro lado do carro. Agora não ouvi nenhuma piedade em sua voz, mesmo porque neste momento nem voz ele tinha, ficou mudo. Eu podia ler um balãozinho ainda mais condoído sobre sua cabeça e podia imaginar sua cara, de olhos arregalados e boca aberta. Por essa ele não esperava... Uma loira linda, jovem, e cadeirante já lhe apertara o coração; e ainda junto uma outra moça jovem, bonita (modéstia à parte ;D) e cega? Aí já era demais para sua compaixão. E ele não conseguiria suportar toda aquela “dor” se não tentasse fazer algo por nós. Mas fazer o quê?
-Olha- dizia ele, quando finalmente nos encontramos eu e Tábata em frente ao carro e peguei nos seguradores de sua cadeira –eu não vou cobrar o estacionamento de vocês não, viu?
-Mas por quê, moço? ela perguntou surpresa.
-Não, não, não, não vou cobrar de vocês duas.
-Mas por quê, moço?- ela insistia já rindo –Assim eu vou achar que é discriminação sua.
Sem jeito, sem saber se ria, se chorava, ele deu uma pensadinha e decidiu:
-Tudo bem, então só metade.
-Nós rimos e finalmente concordamos:
-Combinado então, só metade.
Éramos duas amigas indo passear e gastar num shopping sábado à tarde, e só podíamos pagar metade do estacionamento... Legal, se a regra se estendesse para todas as lojas do shopping...
A verdade é que enquanto houverem as almas equivocadas que se acomodam numa “situação menos favorecida” e estimulam a piedade alheia pra sobreviver, e enquanto houverem no país as leis paternalistas, nós, os “mal-acabados”, teremos sempre nossos dias de pobres miseráveis. E aí, ficam as histórias pra contar...